Era mais uma noite comum em Aragarças, a turma toda estava reunida como de praxe na praça da igreja Senhor Bom Jesus, uns quatro ou cinco amontoados em um banco por ali, outros zoando alguma asneira cometida acolá, mais dois ou três na tentativa de um trote no orelhão... quando do nada o Flávio chegou ao ouvido de Ivan e cochichou: “Alice voltou”. Bastou isso para que o disperso rapaz corresse em direção à sua luz!
Ivan levava a vida normalmente, trabalhava, estudava, mas depois que Alice partiu, apesar de não deixar de cumprir com as suas responsabilidades, ficou perceptível a qualquer um, o quanto ele se tornou arredio e triste. Portanto, tal notícia acionou de novo os motores do rapaz. E Ivan disparou!
Enquanto Ivan rasgava os paralelepípedos, cascalhos e asfaltos que o separava de sua amada, os nove meses de distância e todo o turbilhão de sentimentos fervilhavam na sua cabeça, simultaneamente, às indagações para Deus:
— O que falarei?! Como falarei?! Deus, será que ela veio mesmo?!
Os batimentos cardíacos de Ivan já estavam incontáveis quando ele contornou o vergonhoso buracão, obstáculo que comia lentamente a avenida que separava o Setor Bela Vista do Setor Nova Esperança.
Agora faltava poucos metros para que o outrora casal se reencontrasse, o acelerado rapaz já não via mais a paisagem ao seu redor, mirava apenas o seu destino final: a casa de Alice.
Finalmente Ivan chegou à casa que já rondara por centenas de vezes, mas desta vez era diferente, desta vez Alice de fato poderia estar lá dentro. A casa de sua amada não era tão grande, mas exibia conforto. Branca, alta, com uma varanda em forma de “L”, sombreada por um pé de seriguela e desprovida de portões.
Ofegante, limpando o suor do rosto e ainda sem saber o que diria, o ansioso rapaz bateu palmas. No terceiro bater de palmas Alice apareceu na porta. Ter abandonado a vida no interior e abraçar Goiânia não a havia mudado. Os mesmos cabelos castanhos longos, sorriso inebriante, olhar amável... Finalmente, os apáticos olhos de Ivan avistaram a saudosa imagem. Coincidentemente, Alice trajava branco, a mesma cor de roupa da qual o maravilhado rapaz lembrava de tê-la visto pela primeira vez e também na última.
Após um carinhoso abraço, mútuas gentilezas verbais e infinitas histórias vindas de Ivan. O falante rapaz percebeu um desconforto por parte da sua musa.
— O que há Alice? Quer me dizer algo? É porque estou suado? Fala?!
Desde o primeiro dia que trocaram ideias, Alice, mesmo a contragosto, sempre foi sincera e direta nas suas falas ao seu primeiro namorado, portanto, soltou:
— Eu me casei.
O intrépido moço emudeceu, não conseguia processar a bombástica revelação. Procurava saber enquanto passava as mãos por sobre a cabeça, como (ironicamente) em nove meses a sua amada gerou uma nova vida? Seria ele apenas uma consequência do passado?...
... O garoto que em minutos antes chegara disparando palavras, naquele embaraçoso instante só pode desferir uma frase que apesar de verdadeira, pelo tom de voz, soou mais como um apelo desesperado:
— Eu te amo!
Serena e convicta de si, transparentemente, Alice retrucou:
— Eis aí, uma frase muito forte, meu querido amigo!
Ivan percebeu duramente que o novo sempre vem. Abraçou novamente a sua grande paixão e antes de se despedir prometeu-lhe:
— Pode passar dez, vinte, trinta... até cinquenta anos, mas acredite Alice, um dia chegará em sua nova casa, um livro meu em sua homenagem. Os sonhos não envelhecem. Aguarde e confie, minha querida!
Alice sorriu e afirmou mais uma vez serena e convicta:
— Você me esquecerá no primeiro ano.
Os anos se passaram, a turma amadureceu, mudaram as rotas e os costumes, hoje em dia dos que ainda moram na cidade, quase ninguém vai à praça da igreja. Dos que estavam lá naquela noite, um ou dois, notaram a saída acelerada de Ivan. A grande maioria nunca soube do marcante episódio, todavia, vez ou outra, todos sem exceção, quando o flagra concentrado, vago e aceso escrevendo seus poemas pelos mais diversos bares de Aragarças e redondezas... Indagam-lhe sempre sobre o porquê de tantos manuscritos. Ante tal dúvida, o agora senhor Ivan, apenas diz: “Aqueles dias ainda me são um farol.”
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